terça-feira, 20 de maio de 2008

O dedo na ferida



A acusação feita por Bob Geldof ao governo de Angola durante a "conferência para o desenvolvimento sustentado" que se realizou em Lisboa deixou meio mundo em polvorosa. Não tanto pelo facto de o mentor do Live Aid ter dito que «Angola é governada por criminosos» (todos o sabem, apesar de poucos se atreverem a afirmá-lo), mas sobretudo pelo local escolhido para o dizer: nem menos que uma iniciativa apadrinhada pelo Banco Espírito Santo, cujos interesses no país de Eduardo dos Santos são conhecidos. A assistência ficou visivelmente incomodada, e seguiu-se o rol de indignações do costume. No coro de protestos não faltaram sequer as vozes de alguns oposicionistas angolanos - e até Bonga, Barceló de Carvalho de seu nome, se juntou às virgens ofendidas, manifestando-se disponível para ajudar a "reprimir qualquer tipo de atitude que vise manchar o país e o desempenho dos seus governantes". Um mimo.
A coragem de Geldof é, obviamente, de aplaudir. Mas valerá igualmente a pena não esquecer todos os que, por cá e nos últimos anos, têm denunciado a cleptocracia dominante de Angola. O meu amigo Fausto Bordalo Dias é um deles, e aproveito para recordar aqui e agora aquilo que disse e ficou registado na entrevista que lhe fiz há três anos para o Contas à Vida:
Não houve independência [de Angola]. Há é uma maior dependência daquele país, porque a independência é qualquer coisa que vem ao encontro da felicidade dos povos, e não o que possa contribuir para a sua infelicidade prolongada. E o pior é que não se vê uma meta que ponha fim a este sofrimento todo, às situações escandalosas de corrupção que toda a gente conhece! É um poder de tal maneira ávido das suas percentagens e negócios que esqueceu o povo! (...) A Angola colonial era mais feliz do que esta! Não posso dizer outra coisa, fui lá ver, com os meus próprios olhos, constatei. Na Angola colonial não vi meninos abandonados porque as mães africanas não abandonam os seus filhos. E agora, o que é que se passa? A guerra acabou! A pacificação em princípio está feita, porque os grupos guerreiros chegaram a acordo, estão quietos; mas sentados na mesma mesa, no mesmo banquete.
Um testemunho de grande actualidade. Para ler e para reflectir.

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